Os Estados Marave
A Formação dos Estados Marave
Os estados Marave começaram a formar-se após a chegada, ao sul do Malawi, de emigrantes, provavelmente oriundos da região Luba do Congo, liderados pelo clã Phiri. Segundo dados arqueológicos afixação dos Phiri-Caronga terá ocorrido entre 1200-1400.
Os povos phiri cuja linhagem dominante era a dos Caronga não constituíram apenas um estado, mas vários, na medida em que registaram-se, entre os invasores, conflitos dinásticos que levaram a fragmentação do clã original e ao surgimento de novas linhagens que se estabeleceram a Oeste, Sul e Sudeste do território ocupado pelos Caronga, dando lugar a novos estados.
Assim, além do estado dos Caronga passaram a existir os Estados Undi, Kaphwiti, Biwi etc., cujo aparelho de estado se confundia com a família reinante e era constituído por indivíduos oriundos do clã original Phiri.
Como é que esses povos migrantes dominaram os povos que aí existiam?
Contrariamente ao estado dos Mwenemutapa, cujo processo de conquista foi de natureza militar, a norte do rio Zambeze entre os povos matrilineares, a ocupação territorial se fez pela conquista da esfera ideológica expressa nos santuários e nos rituais.
Tratou-se, pois, de um processo aparentemente não violento, uma vez que não envolveu acção militar. Foi, sim, um processo pacífico conduzido através da esfera ideológica, por via da absorção gradual dos cultos nativos.
No caso de estado sénior dos Caronga, a mulher espírita do culto Muali foi tornada esposa perpétua do Caronga, enquanto as oficiantes do culto eram substituídas por médiuns masculinos.
No estado Undi, oficiantes nomeados pelos phiri foram colocados junto da oficiante mediúnica do culto Makewana ligado ao clã local. Uma nova categoria de espíritos foi inoculada no panteão: a dos espíritos dos antepassados dinásticos phiri, que passaram a ser venerados não apenas como espíritos mas igualmente e sobretudo como espíritos territoriais. A oficiante do culto era considerada portadora de poderes pluviais, mediúnicos e oraculares e o culto do Makewana tornou-se numa importante força unificadora do estado dos Undi.
No que diz respeito ao estado dos Lundu, o culto da M'bona sofreu o mesmo tipo de transformação, passando a estar mais associado ao culto dos antepassados phiri Lundu. A mulher espirita principiou a ser dada pelo Lundu do espírito m'bana.
O gradual domínio dos territórios, através da absorção e adaptação da ideologia local foi acompanhado pela prática de casamentos com mulheres dos clãs nativos. Por exemplo, o Undi casava com mulheres desses clãs e os filhos dos matrimónios eram designados como chefes.
Outras vezes, o Undi reinante casava com uma irmã do chefe local.
Controlando os santuários, introduzindo neles os espíritos dos antepassados dinásticos phiri, casando com mulheres mediúnicas e com mulheres de clã locais, as classes dominantes dos estados Marave deixaram de ser consederadas "intrusas". Através desse processo, subtil, na aparência não violento, era possível controlar o meio de produção fundamentalmente, a terra o que significa que era possível controlar a força do trabalho dos homens e das mulheres.
Há evidência de que, já antes da chegada dos Phiri havia um comércio regular com os Swahili-árabes que penetravam no vale do Zambeze e chegavam até ao Chire. Os phiri passam a monopolizar esse intercâmbio.
A Economia nos Estados Marave
Nos estados Marave a agricultura constituía a base da economia. Em geral era uma agricultura itinerante sobre queimadas, feita com enxada de cabo curto, que tinha como principais culturas a mapira, o milho, a mandioca e leguminosas nas terras altas.
Além da agricultura, os Marave produziam e comercializavam enxada de ferro em grande escala. Nos séculos XVII e XIX, as enxadas de metalurgia Marave constituía um dos produtos mais exportados pelo porto de Quelimane.
Fazia parte das actividades produtivas marave o fabrico e venda de tecidos de algodão chamadas "machiras". A qualidade e quantidade dos machiras eram tão elevadas que até puderam resistir a competição de tecidos de origem indiana. Este facto provocou, com frequência, pânico no seio da coroa portuguesa, pois, pela entrada dos tecidos da Índia, ela recebia muitos lucros resultantes de direitos aduaneiros.
Ainda dos estados Marave, saia também o sal que era adquirido por mercadores Ajaua e Bisa.
Estrutura Sócio-política
Os estados Marave possuiam um aparelho muito complexo, considerando o exemplo do estado de Undi, cujos imensos territórios abrangiam a parte norte da província de Tete. O chefe da aldeia denominava-se Fumo ou Mwene-mudzi, a seguir estava o chefe territorial conhecido por Mwenedziko, por seu turno seguido por um chefe provincial, encarregado de uma série de territórios, conhecido por Mambo e, por fim, no topo – encontrava-se o Undi.
Cada chefe era servido por um conjunto de conselheiros denominados Mbili e havia ainda um corpo de funcionários menores como: Mensageiros, a guarda dos chefes, etc.
Esses chefes todos ligavam-se por laços de parentesco. No entanto as Mwene-mudzi, geralmente eram genitores das matrilinhagens locais (núcleo matrilinear básico chamava-se Bele, formado pela mulher e, por incorporação, pelo marido da mulher e pelos maridos das filhas da mulher).
A Ideologia
Quando os phiri chegaram a região entre Chire e Luangua, a população local liderada por diversos clãs como o Banda, praticavam em santuário, cultos relacionados com a fertilidade dos solos, à invocação, ao controlo das cheias, etc.
Esses cultos eram dedicados ora a " entidades supremas" como o culto de Muali ou o culto de chewa de chissumbi, ora à veneração dos espíritos naturais.
Entretanto, para os Marave eram mais importantes os cultos dedicados às entidades supremas. Esses cultos eram, geralmente, realizados por mulheres:
Exemplo: O caso da mulher espírito do culto Muali ou do culto Makewana.
Formas Reprodutivas da Classe Dominante
Tal como sucedia a sul do Zambeze, no caso dos Mwenemutapa e das linhagens satélites, a norte, as classes dominantes dependiam, para a sua reprodução de duas fontes: Em primeiro lugar os tributos diversos cobrados internamente e, em segundo lugar, o comércio à longa distância, nomeadamente o comércio de marfim, o qual representava para os soberanos Marave o mesmo que ouro para os soberanos chona.
No caso do estado dos Undi, a classe dominante recebia tributos regulares: marfim, tabaco, géneros alimentares, partes dos animais caçados pelos súbditos, utensílios de ferro, cestos, esteiras, panos etc. Os súbditos eram obrigados a trabalhar regularmente nas terras dos chefes, a construir as suas casas e a assegurar a manutenção da capital.
Existiam também os tributos de vassalagem que incluíam penas vermelhas de certos pássaros, marfim, peles de leão e de leopardo, as partes comestíveis de certos animais, direitos de trânsito pelas terras, as primícias das colheitas, etc.
O Undi era uma espécie de guardião dos produtos das parcelas que os súbditos eram obrigados a cultivar no "interesse geral". Com o produto de sobretrabalho dos súbditos, o Undi sustentava visitantes, jogos e danças e ajudava os necessitados, tal como acontecia entre os Mwenemutapa. A outra parte de sobreproduto trovaca-se por mercadorias produzidas pelos Swahili-Árabes.
Uma terceira categoria de tributos era os rituais. Normalmente os dedicados às primícias das colheitas e as taxas devidas aos chefes pela orientação das cerimónias rituais. Os chefes recebiam ainda taxas pela resolução de disputas e taxas de trânsito pelo território.
A Queda dos Estados Marave
A desintegração e queda dos Estados Marave esteve ligada as lutas no seio dos Phiri com o fim de assegurar o total controlo do comércio do marfim e a interferência cada vez maior dos prazeiros na vida dos Estados Marave originam a expansão Zimba do séc. XVI O declínio das rotas comerciais Marave que iam até à costa substituídas desde fins do século XVI por duas novas rotas controladas pelos Ajaua, também constitui um dos factores que minou o poder das dinastias e ditou a fragmentação interna da linhagem.
Por outro lado, a desintegração foi intensificada pela penetração de mercadores no fim do século XVIII. Por exemplo Caetano Pereira, com a sua dinastia "Prazeira", assenhorou-se de muitas províncias dos Estados Undi.
Há que ter em conta ainda o aparecimento dos Nguni, que se fixaram na região na sequência do Mfecane em 1835.
O outro factor a ter em conta, foi a penetração mercantil Portuguesa no vale do Zambeze a partir de 1530 e o bloqueio aos Swahili-Árabes.
Referências bibliográficas
MINEDH. Módulo 6 de História: Os estados em Moçambique e a Penetração Mercantil Estrangeira. Instituto De Educação Aberta e à Distância (IEDA), Moçambique, s/d
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