A CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E A PROBLEMÁTICA DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO SOCIAL
PSICOLOGIA
Papel do Psicólogo na área de assistência social e sua provável atuação com a população em situação de rua.ÍNDICE
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. METODOLOGIA
- 4. CONCEITUAÇÃO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E SUAS CARACTERÍSTICAS
- 5. FATORES QUE IMPULSIONAM A SITUAÇÃO DE RUA
- 6. CRIANÇA E ADOLESCENTE
- 7. PROBLEMÁTICA DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS
- 8. A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA DIANTE DA SITUAÇÃO DE RUA
- 9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 10. REFERÊNCIAS
1. RESUMO
A população em Situação de Rua é aquela composta por pessoas, normalmente de extrema pobreza, que passam a se relacionar com e nos espaços públicos das cidades. Esse modo de vida pode se dar devido a inúmeros fatores, não necessariamente monocausais, são eles os transtornos psíquicos, o uso de substâncias químicas e a desigualdade abrangendo o desemprego, o refúgio e os desastres e tragédias. O trabalho teve como objetivo compreender quem são essas pessoas, bem como compreender as crianças e adolescentes que estão em situação de rua e seus desenvolvimentos cognitivo, social, físico e emocional. Assim, foi debatido de forma crítica a exclusão que elas vivenciam nas ruas e as estratégias existentes de inclusão social. A monografia realizada por meio de pesquisa bibliográfica em revisão narrativa levantou as políticas públicas voltadas a essa população e as possíveis falhas existentes nelas, destacando o papel do Psicólogo na área de assistência social e sua provável atuação com a população em situação de rua, visto que tem existido uma dificuldade desses profissionais em se posicionarem distintamente do assistente social nesse campo de trabalho. Portanto, faz-se necessário uma compreensão menos estigmatizada dessa situação que possibilite a criação de políticas públicas que se adequem as demandas reais dessa população viabilizando o desenvolvimento de potencialidades e autonomias por meio do trabalho do Psicólogo e também medidas de proteção as crianças evitando que elas passem a viver nas ruas.
Palavras-chave: População em Situação de Rua. Políticas públicas. Psicologia.
2. INTRODUÇÃO
A presente monografia compreende a situação de rua e seus atores nas suas inúmeras cenas. Para isso, foi realizada uma revisão narrativa cujo objetivo foi reunir o ponto de vista de diversos autores no que abarca a caracterização desses indivíduos, bem como os vários fatores que levam uma pessoa a viver nessa situação. Contudo, o estudo vem enriquecer o debate crítico a respeito dessa temática com olhares “desestigmatizados”.
A população em situação de rua é composta por indivíduos que compartilham o espaço público como estabelecimento de relações sociais, moradia e sobrevivência, ou seja, estas pessoas relacionam-se com a rua, segundo parâmetros temporais e identitários diferenciados, vis-a-vis os vínculos familiares, comunitários ou institucionais presentes e ausentes (BRASIL, 2008, p.3).
De acordo com SILVA (2009 apud FRAGA, 2011, p. 12), a situação de rua constitui-se como um fenômeno complexo fruto de múltiplos fatores tanto estruturais (ausência de trabalho e renda, ausência de moradia, etc.), quanto biográficos (doenças mentais, consumo de álcool e ou outras drogas, ruptura com os vínculos familiares, etc.) ou ainda, fatores como os desastres em massas (terremotos, inundações e outros).
No entanto, para entender melhor esse contexto de rua é preciso lembrar que também vivem nelas crianças e adolescentes, onde Ferreira, Littig e Vescovi (2014, p. 186) destacam que, por vezes torna-se um espaço de refúgio, de liberdade e de estabelecimento de relações. Por outro lado, observa-se que esses aspectos camuflam a vulnerabilidade e as renúncias às quais essas crianças e adolescentes são submetidos. Assim, a rua para a criança que nela habita já não se constitui num espaço público, transformando-se, muitas vezes, pela força da sobrevivência, num espaço privado de constituição psíquica e social (MENEZES E BRASIL, 1998).
Destarte, quando falamos da população em situação de rua, vem à tona o processo de exclusão que eles vivenciam no dia a dia, com seus direitos como cidadãos violados e na falta de políticas públicas que atendam as demandas específicas deles. Posto isso, é notório que tratar a população em situação de rua como um problema atrelado apenas a uma esfera social que precisa ser “ajudada” não soluciona o problema, no entanto devemos reintegrá-los à sociedade (GHIRARDI, 2005 apud ARAÚJO E TAVARES, 2015, p. 124).
Assim, pensar a política social hoje exige olhar para sua história, pois muitas foram a formas e tentativas de atendimento as necessidades sociais da população (PAULA, 2012, p. 19) a fim de compreender que não se trata apenas de políticas que os incluam ou lhes deem oportunidades de moradia, alimentação, saúde, mas que além de tudo respeitem suas singularidades e lhes ofereçam a possibilidade de viver, mesmo se desejarem permanecer na rua, revestidos de mais proteção e condições dignas de vida (ABREU, 2014, p. 129). Diante disso, enfatizasse o papel desempenhado pela Psicologia junto à Assistência Social frente a essas singularidades, de forma que atuação do psicólogo com a população em situação de rua (PSR) deve pautar-se em uma relação horizontal e de cuidado e na crença na potência de mudança dessas pessoas delineado seu trabalho no sentido de auxílio ao acesso dos meios indispensáveis à concretização de um projeto de vida fora das ruas (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA – MINAS GERAIS, 2015, p. 72).
Para melhor entendimento do assunto tratado na monografia, o texto foi construído e discutido em capítulos. No primeiro capítulo foi abordado sob diversas perspectivas quem são as pessoas que vivem em situação de rua e como essa vivência se dá; já no segundo capítulo foi apresentado em subcapítulos os fatores que os levaram à situação de rua, sendo eles os transtornos psíquicos e o uso de substâncias químicas e a desigualdade abrangendo as situações transitórias de vida que são o desemprego, o refúgio e as tragédias/desastres; o terceiro capítulo destaca de forma geral o que concerne as crianças e adolescentes nessa situação, compreendendo o processo de saída de casa e o desenvolvimento cognitivo, social, físico e emocional deles; no quarto capítulo discute-se as políticas públicas voltadas a essa população diante da problemática da exclusão e inclusão que vivenciam, bem como a contribuição do Psicólogo nesse contexto de assistência social e por fim são apresentadas as considerações finais a respeito da temática estudada.
3. METODOLOGIA
O presente estudo abordou a temática da população em situação de rua visando contextualizá-la e caracterizá-la, bem como mostrar sob o olhar de diferentes autores os fatores que levaram esses indivíduos a viverem nas ruas a fim de desconstruir estigmas e discutir a problemática da inclusão e exclusão que vivenciam diariamente.
Foi realizado também uma discussão crítica acerca das políticas públicas assistencialistas voltadas a PSR e as possibilidades de trabalho dos profissionais de Psicologia na assistência social.
Portanto, para a realização deste foi utilizada a revisão bibliográfica que consiste em reunir ideias oriundas de diferentes fontes, visando construir uma nova teoria ou uma nova forma de apresentação para um assunto já conhecido (FOGLIATTO, 2007). Assim sendo, a revisão de literatura ou revisão bibliográfica teria então dois propósitos (ALVES-MAZZOTTI, 2002 apud VOSGERAU E ROMANOWSKI, 2014): a construção de uma contextualização para o problema e a análise das possibilidades presentes na literatura consultada para a concepção do referencial teórico da pesquisa. As revisões narrativas são geradas segundo a opinião do autor, que decide quais as informações são mais relevantes, sem explicitar a forma como elas são obtidas (BERNARDO, NOBRE E JATENE, 2004). Elas não informam as fontes de informação utilizadas, a metodologia para busca das referências, nem os critérios utilizados na avaliação e seleção dos trabalhos (ROTHER, 2007).
Destarte, para a coleta de dados foram utilizados os instrumentos Scielo (Scientific Eletronic Library OnLine), LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências Sociais e da Saúde) e CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a partir dos descritores população de rua, inclusão e exclusão social, transtorno psíquico e rua, criança e adolescente, políticas públicas e psicologia; cujo material foi selecionado a partir de variável interesse após a leitura criteriosa de cada um deles, de forma a atender a literatura referida nesse estudo. Os materiais bibliográficos utilizados foram artigos científicos, livros, monografias, teses de mestrado e doutorado, cartilha do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP- MG) e manual do Ministério da Saúde compreendidos entre os anos de 1984 à 2016.
Durante a pesquisa pôde-se perceber uma rica quantidade de material sobre o assunto, principalmente no que diz a caracterização dessa população e a discussão sobre as políticas públicas voltadas para eles. Contudo, faltam pesquisas acerca das motivações que levaram esses sujeitos a viverem nas ruas principalmente no que concerne a situação de vida transitória.
Após a leitura dos materiais encontrados na base de dados foram relacionados a compreensão sobre o tema com sua ampliação de conhecimento e a elaboração do referencial teórico.
4. CONCEITUAÇÃO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E SUAS CARACTERÍSTICAS
Alguns as veem como perigosas, apressam o passo. Outros logo as consideram vagabundas e que ali estão por não quererem trabalhar, olhando-as com hostilidade. Muitos atravessam a rua com receio de serem abordados por pedido de esmola, ou mesmo por préconceberem que são pessoas sujas e malcheirosas. Há também aqueles que delas sentem pena e olham-nas com comoção ou piedade. (MATTOS E FERREIRA, p. 47 2004)
Os antigos “moradores de rua”, hoje chamados de “pessoas em situação de rua” no repertório das políticas públicas brasileiras, vem tornando-se, desde a década de 80, de acordo com Schuch e Gehlen (2012), uma preocupação pública para os gestores institucionais. Isso é agravado pela constante dificuldade em definir quem são essas pessoas, dando vazão há diversas conceituações acerca dessa população. Segundo Silva (2011) determinadas definições do fenômeno situação de rua apoiam-se na valorização de rupturas com alguma dimensão da vida social. Botti et al. (2009) frisa que a diversidade é a característica própria dessa população no que se referem às origens sociais, trajetórias de vida, tempo na rua, presença de doenças e deficiências, pessoas sozinhas ou em grupos de amigos ou família etc.
De acordo com Bulla, Mendes, Prates et al. (2004, apud COSTA, 2005), de uma forma geral, as pessoas em situação de rua apresentam-se com vestimentas sujas e sapatos surrados, denotando a pauperização da condição de moradia na rua; no entanto, nos pertences que carregam, expressam sua individualidade e seu senso estético.
Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) essa população delimita-se àqueles que possuem moradia mesmo que não esteja diariamente nela, ou seja, um domicílio improvisado, isto é, são aquelas pessoas que passam o dia na rua e se recolhem à noite em albergues ou instituições similares. No entanto, Costa (2005, p. 3) define essa mesma população como um “grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta e a falta de pertencimento à sociedade formal.” Ainda para a autora, essa população pode ser composta por “homens, mulheres, jovens, famílias inteiras, grupos, que têm em sua trajetória a referência de ter realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de suas identidades sociais”, mas que de alguma forma, podendo ser a perda do emprego, o rompimento de algum laço afetivo ou algum outro infortúnio que aos poucos levassem essas pessoas a perder a perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e moradia.
É então considerada população em situação de rua, para Mendonça (2006, apud ARAÚJO E TAVARES, 2015), o conjunto de indivíduos que, sem lugar destinado à moradia, pernoitam em logradouros, prédios abandonados e albergues. Considerando “lugar não destinado à moradia” poderíamos incluir também aqueles que residem em locais de grande precariedade.
Por fim, Frangela (2004, apud SILVA, 2011), define essa população como
[...] desprovidos de condições materiais e simbólicas que marcam as tradições identitárias convencionais – do mundo da casa e do trabalho –, desconectados das relações sociais intrínsecas a essas duas dimensões e mantidos nas fronteiras liminares da ordem urbana, [...] [criando] uma dinâmica própria nas ruas (p. 132).
Vale ainda ressaltar a maneira que cada uma dessas pessoas foram parar nas ruas, pois Botti et al. (2010) afirma tratar-se de um fenômeno multifacetado que não pode ser explicado por uma perspectiva unívoca e monocausal, pois são múltiplas as causas de se ir para a rua, assim como são múltiplas as realidades da população em situação de rua. Para Bulla, Mendes, Prates et al. (2004, apud COSTA, 2005) o principal motivo que levam as pessoas a morarem nas ruas é a perda de vínculos familiares, decorrente do desemprego, da violência, da perda de algum ente querido, perda de autoestima, alcoolismo, drogadição, doença mental, entre outros fatores que podem ser protagonizados não só pela pessoa em situação de rua, mas também por algum outro membro da família, caracterizando histórias de rupturas sucessivas.
Contudo, não se pode generalizar como sendo os únicos motivos que levam alguém a viver nas ruas. Bulla, Mendes, Prates et al (2004 apud COSTA, 2005) coloca em pauta aquelas pessoas que mudam de cidade a procura de emprego e sem consegui-lo ou sem conseguir um local para morar acaba por viver nas ruas, além daqueles que não conseguem se sustentar devido ao subemprego ou emprego mal remunerado. Esses autores também discorrem sobre as outras formas de estar em situação de rua, como aqueles motivados pela sobrevivência – catadores de resíduos ou de outros trabalhos eventuais – e os “andarilhos”, que se deslocam pelos bairros ou de cidade em cidade, geralmente sozinhos, não se vinculando a nada. Referem simplesmente que estão “no trecho”.
Posto isso, Botti et al. (2010) destaca que entre os fatores para a situação de rua, encontram-se os estruturais, biográficos e desastres de massa e/ou naturais, assim sendo, salienta-se a necessidade de identificar as várias populações de ruas existentes, distinguida por Vieira e col. (1994 apud VARANDA E ADORNO, 2004), a partir da visão da permanência na situação de rua, como fator de cronificação, entre “ficar na rua, circunstancialmente”, “estar na rua, recentemente” e “ser de rua, permanentemente”.
Dessa forma, Vieira, Bezerra e Rosa (1994, apud COSTA, 2005) dentificam três situações em relação à permanência na rua, são elas as pessoas que ficam na rua e configuram uma situação circunstancial que reflete a precariedade da vida, pelo desemprego ou por estarem chegando na cidade em busca de emprego, de tratamento de saúde ou de parentes; as pessoas que estão na rua e que já não consideram a rua tão ameaçadora e, em razão disso, passam a estabelecer relações com as pessoas que vivem na ou da rua, assumindo como estratégia de sobrevivência a realização de pequenas tarefas com algum rendimento e; as pessoas que são da rua e que em função do tempo em que nela vivem foram sofrendo um processo de debilitação física e mental, especialmente pelo uso do álcool e das drogas, pela alimentação deficitária, pela exposição e pela vulnerabilidade à violência (grifo nosso).
Ghirard et al. (2005) também classificam a adaptação no espaço da rua em três momentos. Para os autores, o primeiro momento consiste em uma preservação de vínculos com aquelas pessoas que não fazem parte da rua, ou seja, esse momento o sujeito apesar de estar na rua possuí uma rede de suporte fora dela permitindo que o mesmo consiga trabalho e se estabeleça em albergues, pensões e alojamentos. No entanto, ao atingirem o segundo momento de adaptação, esses sujeitos passam a estar na rua ao estabelecer uma nova rede social que se dá pela identificação com outras pessoas em situação de rua que compartilham de uma rotina semelhante à sua. Quando isso ocorre, o sentimento de vulnerabilidade diminui enquanto as alternativas de sobrevivência nesse novo espaço vão se compondo a cada dia estruturando um novo cotidiano, bem como um novo referencial para o sujeito.
Por fim, Ghirard et al (2005) coloca que a desvinculação gradativa das redes sociais de suporte e a adesão aos códigos das ruas permite uma articulação do cotidiano em torno desta nova realidade. O espaço das ruas se constitui como local de moradia e de trabalho, neste momento o sujeito passa a ser da rua.
Botti et al (2009) ressalta que essa população pode ser caracterizada pelo fato de sobreviver a partir de atividades produtivas desenvolvidas nas ruas. Estas atividades podem assumir várias formas e frequências, serem lícitas ou ilícitas, formais ou informais. Ainda para os autores,
ser morador de rua não significa apenas estar submetido à condição de espoliação, ao enfretamento de carências, mas significa também adquirir outros referenciais de vida social, diferentes dos anteriores que eram baseados em valores associados ao trabalho, à moradia, e às relações familiares (p. 02).
No entanto, Andrade, Costa e Marquetti (2014, p. 250) o morador de rua transforma o espaço da cidade no qual habita, pois interfere nas práticas cotidianas de um lugar, redimensiona lugares, (re) significa equipamentos públicos, reinventa relações sociais, e principalmente, interfere nas concepções públicoprivado, caracterizando, para Sennett (1988 apud ANDRADE, COSTA E MARQUETTI, 2014, p.250) uma positividade transgressora do ato de viver nas ruas.
Por fim, torna-se importante compreender os fatores que podem levá-lo a esse contexto.
5. FATORES QUE IMPULSIONAM A SITUAÇÃO DE RUA
São diversas as razões que fazem as pessoas irem para as ruas, algumas vezes por opção; outras, por falta de opção (ANDRADE, COSTA E MARQUETTI, 2014, p.254).
Antes de iniciar a discussão acerta dos fatores que impulsionam a situação de rua, deve-se ressaltar que foram didaticamente divididos em duas categorias, sendo elas:
- Transtorno psíquico e uso de substâncias psicoativas e;
- Desigualdade, abrangendo as situações transitórias como o desemprego e as questões políticas.
No entanto esses fatores não se dão de forma monocausal, podendo então enquadrar mais de um na motivação que fomenta um indivíduo a situação de rua.
5.1. TRANSTORNOS PSÍQUICOS E USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS
Ao abordar aspectos acerca da população em situação de rua, vale ressaltar as condições de saúde a que estão submetidos, pois apesar dos princípios que regem o Sistema Único de Saúde do País dar suporte a todos, sem distinção, percebe-se uma dificuldade dos profissionais ao lidar com esse público de maneira satisfatória. Isso pode ser agravado pela ausência de estudos acerca dessa temática dificultando a criação de políticas públicas no âmbito da saúde mental adequadas as necessidades dessa população.
No entanto, ao colocar em pauta as condições de saúde da população em situação de rua, verifica-se diversas doenças que atingem esses indivíduos com frequência. Entre elas estão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), principalmente a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS); tuberculose; doenças de pele; doenças respiratórias; entre outras, contudo, para Botti et al (2009) o maior problema da área da saúde, que atinge os moradores de rua, refere-se ao sofrimento mental, como: dependência de álcool e drogas em geral e ainda neuroses e psicoses.
No que concerne as pesquisas divulgadas, Montiel et al (2015) destaca-se os padrões de personalidade com maiores alterações em moradores de rua, são eles Paranoide, Antissocial, Histriônico e Esquizotípico, bem como, a prevalência de transtorno antissocial. Pesquisas americanas, ressaltadas por Montiel et al (2015) indicam que cerca de 90% dos moradores de rua receberam um diagnóstico psiquiátrico, onde predominaram transtornos clínicos e da personalidade em padrões Esquizoides, Borderline e Dependente, Psicose e uso de álcool, assim como, esquizofrenia, no Reino Unido (TIMMS E FRY, 1989; FAZEL et al., 2008; BASSUK, RUBIN E LAURIAT, 1984; apud BOTTI et al, 2009, MONTIEL et al., 2015). Já as pesquisas brasileiras realizadas no Rio de Janeiro e Niterói, citadas por Botti et al. (2010) mostra a presença de distúrbios mentais maiores (22,6%), esquizofrenia (10,7%), depressão maior (12,9%), déficit cognitivo grave (15%) e abuso/dependência de álcool (44,2%).
Botti et al (2010) salienta que os distúrbios mentais maiores aparecem com maior prevalência em homens solteiros em situação de rua. Em comparação a outros subgrupos, este tem um maior período de vivência nas ruas, aumentando o risco de agravamento de doença física e mental.
Embora a maioria dos indivíduos dessa população seja oriunda de classes menos privilegiadas, nem toda pessoa portadora de sofrimento psíquico grave, seja ela de classe baixa, média ou abastada, faz da rua um lugar de moradia, podendo ser influenciada a partir de um elemento subjetivo, isto é, pelo desencadeamento de um surto psicótico, a erupção de um delírio de caráter premonitório, persecutório ou messiânico, ou ainda um estado que se denomina de pré-psicose, como foi destacado por Araújo (2013).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) diversos fatores podem provocar transtornos mentais, entre eles citam-se: pobreza, sexo, idade, conflitos e desastres, a maioria das doenças físicas e o ambiente familiar e social.
No entanto, os distúrbios mentais maiores antecedem à condição de morar nas ruas, como também a condição precária de existência nas ruas pode exacerbar os seus sintomas anteriores, assim como favorecer o aparecimento de outros distúrbios (BOTTI et al, 2010). Assim, esses sujeitos desenvolveriam esses sintomas como resposta a um acontecimento extremamente doloroso, que pode ser entendido como a própria situação de morador de rua (BOTTI et al, 2009) embora eles adquiram uma capacidade considerável de resistência, construindo formas variadas e criativas de sobrevivência, quanto maior o tempo de estadia na rua, maiores são os agravos à sua saúde física e psíquica e mais difícil à reversão dessa condição (ARAÚJO, 2013).
Botti et al (2009. p. 170) destacam que a
relação entre transtornos mentais e eventos estressantes não é direta, sendo mediada por fatores, como suporte social (ajuda oferecida pela comunidade aos sujeitos para apoiá-los em situações estressantes) e mecanismos de coping (repertórios de funções fisiológicas, emocionais, cognitiva e comportamental-que o sujeito utiliza para lidar com os eventos estressantes). Portanto, a perda de um lar pode desencadear transtornos mentais, mas também é importante considerar-se vários outros fatores de adoecimento dos sujeitos que moram tanto nas ruas quanto nos albergues. As condições adversas de sobrevivência dos moradores de rua podem, também, desencadear sofrimento mental. Esses sujeitos podem manifestar distúrbios psicóticos agudos e também outros sintomas como: apatia, retardo psicomotor e déficit de memória, decorrentes de toda a adversidade que estão submetidos.
Outro sofrimento psíquico muito comum nos indivíduos que fazem parte da rua é a depressão, que de acordo com Araújo (2013) tem sua gravidade associada a fatores psicodinâmicos e socioambientais, ou seja, revela-se uma maior frequência e gravidade da depressão de acordo com a faixa etária e o tempo de moradia na rua. Entretanto há estudos, citados pelo autor, que apresentam uma maior incidência em indivíduos que tiveram vínculos desfeitos durante a infância, tal como algumas apontam mais frequência dos quadros depressivos após perdas significativas, entre elas a morte de pessoas, emprego, local de moradia, status socioeconômico, ou de algo puramente simbólico.
Assim como o transtorno psíquico, o uso de drogas e a condição de rua não são fenômenos recentes, no entanto, reformulam-se e se redefinem, visto que a realidade social é dinâmica (PERGENTINO, 2014).
Para Simões (2008 apud Pergentino, 2014) drogas são
qualquer substância que, por contraste ao 'alimento' não é assimilada de imediato como meio de renovação e conservação pelo organismo, mas é capaz de desencadear no corpo uma reação tanto somática quanto psíquica, de intensidade variável, mesmo quando absorvida em quantidades reduzidas [...] 'psicoativo' é um dos termos cunhados para referir as substâncias que modificam o estado de consciência, humor ou sentimentos de quem as usa (p. 32).
Destarte, Pergentino (2014) ressalta que não seria demais afirmar que a dependência de álcool e outras drogas têm origens multicausais e são historicamente determinados, com entendimentos que variam entre tradição cultural, demonização ou comoção social, já que de acordo com Snow e Anderson (1981 apud Costa, 2005), a dependência compõem o estilo de vida de quem vive na rua, fazendo parte da realidade das ruas, seja como alternativa para minimizar a fome e o frio, seja como elemento de socialização entre os membros dos grupos de rua. Remetendo-nos novamente à problemática da alcoolização ligada ao mundo das ruas, é de fácil constatação a representação socialmente compartilhada da pessoa alcoolizada em situação de rua ser apenas “um bêbado qualquer, um desinteressado, um caído, um coitado...”. (TEIXEIRA, 2007)
Dessa forma, Mendes e Horr (2014) descrevem a dependência de álcool e outras drogas como sendo um dos fatores que fragilizam os laços familiares e sociais, bem como, dificultam a manutenção de atividades laborais levando pessoas a uma situação de condição precária de vida que necessitam recorrer as ruas como única opção de sobrevivência e moradia.
Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10, 1997), citada por Mendes e Horr (2014) a dependência de drogas é definida como
um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após repetido consumo de uma substância psicoativa, tipicamente associado ao desejo poderoso de tomar a droga, à dificuldade de controlar o consumo, à utilização persistente apesar das suas consequências nefastas, a uma maior prioridade dada ao uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações, a um aumento da tolerância pela droga e por vezes, a um estado de abstinência física (p. 90).
Na rua, as substâncias citadas por Martinez (2012) como aquelas mais utilizadas estão a pinga, a maconha e o crack. A pinga tem o “poder” de causar alteração na consciência, por isso, é usada como forma de estabilização emocional permitindo a alteração dos malefícios da memória, ou seja, aquelas lembranças anteriores a situação de rua, bem como aquelas relacionadas a família, brigas, frustrações e perdas. Além disso, os efeitos do álcool promovem desinibição, sobretudo para aqueles que dizem ter vergonha de pedirem dinheiro ou comida e principalmente o estado de alerta, que se trata de uma condição primordial para viver na rua pois o deixa atento a qualquer perigo ou ameaça. Assim, o uso do álcool é saudável desde que não afete o estado de vigilância do morador de rua. Já a maconha, produz estados alterados da consciência que quase nunca os estabilizam emocionalmente, porém é preferência dos mais jovens enquanto a pinga é utilizada normalmente pelos idosos. Contudo quando a maconha e a pinga são combinadas, torna-se difícil controlar os efeitos provocados podendo ser perigoso para aquele que vivencia a vida na rua. Entretanto, o crack é o “vilão” por provocar um estado letárgico seguido de mal-estar promovido pela potencialização de um bem-estar inicial, assim, muitas das vezes ela é usada em conjunto com a maconha visando a diminuição do mal-estar causado pelo uso da substância. Por conseguinte, Martinez (2012) afirma que
o uso das substâncias psicoativas auxilia na produção de um estado de consciência em vigilância, embora esta não seja a única forma de atingi-lo . Uma pessoa só fica esperto quando sua mente está focada nas situações atuais ao seu redor, quando possui atenção suficiente para não deixar passar nenhuma ameaça sequer. Uma mente focada no presente não pensa no passado, nem no futuro. As substâncias psicoativas regulam exatamente o fluxo da memória, do pensamento e do desejo. Uma pessoa quando fica esperta vigia suas próprias vontades e não deixa se abater por lembranças que ficaram para trás (p. 12).
5.2. DESIGUALDADE
O crescente avanço tecnológico, bem como a globalização presente no cenário brasileiro tem gerado na sociedade uma série de consequências negativas como uma realidade de desigualdade social, rupturas e exclusão configurando assim, a falta de garantias sociais em parcela da população. Assim sendo, vivenciasse constantes lutas a fim de ressignificar a cidadania fragmentada
De acordo com Santana e Castelar (2014) esse poder econômico tem produzido indivíduos “subjugados, pessoal e socialmente, com difícil perspectiva de transposição pessoal” que para os autores tem repercutido no aumento dos subempregos, da competitividade, na diminuição das ofertas de trabalho, resultando em fatores que refletem que grande parte da população está à margem, sendo considerada “sobrante” dessa sociedade.
Isso se dá pelo fato de que o emprego formal e o registro em carteira servem como legitimadores da identidade de trabalhador (embora quase a metade dos trabalhadores atue no mercado informal). Desprovidas desta referência, as pessoas em situação de rua, apesar de desenvolverem atividades informais, são, sob a ótica do trabalho, frequentemente consideradas como improdutivas, inúteis, preguiçosas e vagabundas. (MATTOS E FERREIRA, 2004)
Segundo Di Flora (1987 apud MATTOS E FERREIRA, 2004),
a população em situação de rua é assim estigmatizada, pois escancara as contradições básicas do modo capitalista de produção: a falácia de que todos possuem iguais oportunidades e a evidência de que, embora a produção seja social, a apropriação dos ganhos é sempre individual, sendo as pessoas em situação de rua testemunhas vivas de que a exploração e a desigualdade estão no cerne deste modo de produção (p. 49).
5.2.1. SITUAÇÃO DE VIDA TRANSITÓRIA
Diante do cenário de desigualdade discutido anteriormente, algumas pessoas acabam indo para a rua por um acontecimento específico que pode vir a se reverter com o tempo, são as chamadas situações de vida transitória. Essas pessoas são aquelas mais propensas a se estabelecer em albergues, pensões e alojamentos, dentre elas estão aquelas que se encontram desempregadas, refugiadas e/ou que foram vítimas de algum desastre/tragédia. A condição de morador de rua expõe o sujeito ao enfrentamento de carências de toda ordem, além de exigir que ao mesmo tempo ele se adapte a outras referências de vida social bastante distintas daquelas anteriormente vividas (Vieira et al, 1994 apud GHIRARD et al, 2005).
Dessa forma, é indiscutível que o ingresso no mundo do trabalho confere um valor social, construído historicamente, que reproduz coletivamente o imaginário de valorização moral do trabalhador (ALCANTARA, ABREU E FARIAS, 2015, p. 132). Contudo, diante da crise do trabalho intensifica-se o processo de ruptura de redes sociais de suporte e cria-se a necessidade de se propor alternativas econômicas e sociais que respondam às urgentes demandas dessa população, além de possibilitar-lhe o resgate da autonomia e da independência (GHIRARD et al, 2005).
Destarte, no processo de exclusão social pela via do trabalho, a vulnerabilidade econômica das famílias pobres pode conduzir os seus membros a vivenciarem uma "experiência de limiaridade" entre a pobreza e a miséria (ALCANTARA, ABREU E FARIAS, 2015, p. 132). Assim, é sabido que o aumento crescente do desemprego tem como decorrência um efeito em cascata de crescimento da população em situação de rua (GHIRARD et al, 2005) visto que o desemprego pode significar a perda da autoridade sobre a família, o que poderá desembocar no alcoolismo e abandono do lar (ESCOREL, 1999; ESMERALDO, 2010; MDS, 2009; MOURA JÚNIOR, 2012 apud ALCANTARA, ABREU E FARIAS, 2015, p. 132), se tomarmos os homens chefes de família como exemplo.
Assim, “cair na rua” é também uma maneira de passar para o outro lado da sociedade capitalista, no qual o reconhecimento dos sujeitos como atores sociais não está necessariamente relacionado à capacidade produtiva, mas à capacidade de desenvolver estratégias de sobrevivência em situações de violência (GHIRARD et al, 2005). Uma vez em situação de rua, o trabalhador permanece à procura de trabalho formal e regular, de preferência assalariado (MATTOS, HELOANI, FERREIRA, 2008, p. 114).
Porém, no caso dessas pessoas, o estatuto de trabalhador lhe é negado, dada as características de irregularidade, informalidade, não qualificação e ausência de remuneração das atividades desenvolvidas nas ruas (ALCANTARA, ABREU E FARIAS, 2015, p. 132) como desenvolver uma série de atividades laborais, como coletar materiais recicláveis, carregar caminhões, guardar carros, encartar jornais, mendigar e realizar diversos outros “bicos” (VIEIRA et al., 1992 apud MATTOS, HELOANI, FERREIRA, 2008, p. 114).
Portanto, marginalizados do mundo do trabalho as pessoas em situação de rua têm sua identidade pessoal e coletiva fragilizada. (ESCOREL, 1999; ESMERALDO, 2010; MDS, 2009; MOURA JÚNIOR, 2012 apud ALCANTARA, ABREU E FARIAS, 2015, p. 132).
Nessa situação de vida há também os refugiados que para Moreira (2014, p. 85,) são considerados migrantes internacionais forçados, que cruzam as fronteiras nacionais de seus países de origem em busca de proteção. Contudo há uma enorme dificuldade – de um nacional - em reconhecer o estrangeiro, o apátrida e principalmente o refugiado como alguém digno tanto quando a si mesmo (MACIEL, MOUSQUER, 2013, p. 187), pois são vistos como outsiders, à medida que vêm de fora; são estrangeiros, por não pertencerem à nação, por serem estranhos aos códigos compartilhados e informados pela identidade cultural, social, étnica, religiosa, linguística da comunidade de destino (MOREIRA, 2014, p. 86). Quando esse reconhecimento, essa aceitação, não ocorre, logo há as barbáries de dominação e exploração, as atrocidades da invisibilidade dos campos de refugiados, a marginalização dos culturalmente diversos (MACIEL, MOUSQUER, 2013, p. 187). O Brasil é um dos países que aceita as solicitações para entrada de refugiados, contudo a nação não apresenta uma política de assistência à moradia para esses indivíduos, assim muitos deles ao chegarem passam dias morando nas ruas até que encontrem ajuda, essas que, na maioria das vezes, vem de entidades filantrópicas. No entanto, vale ressaltar que isso acontece também em outros lugares que não apresentam estratégias voltadas à demanda dessa nova população. Dessa forma, ainda que a organização trabalhe em prol de propósitos humanitários, buscando proteger seres humanos em risco, a dimensão política influencia fortemente sua atuação. Isso significa que a organização deve lidar cada vez mais com fluxos de refugiados de maiores escalas em ambientes altamente politizados (LOESCHER, 2001 apud ROCHA, MOREIRA, 2010, p. 24).
Esses indivíduos ainda encontram uma grande barreira nos países que os dão asilo, a falta de empregabilidade, pois existem preconceitos e até xenofobia dos cidadãos locais para com os refugiados, fazendo com que os empregadores acreditem que esses sujeitos devem aceitar qualquer tipo de emprego e com qualquer condição, além de desconsiderar qualquer tipo de formação que o sujeito obtenha. Do mesmo modo, encontram dificuldades em validarem seus diplomas acarretando menos possibilidades de encontrar um emprego decente e recomeçar suas vidas longe da violência e das ruas.
Já os avanços tecnológicos, a capacidade humana de construir, mas também a de destruir provoca, com maior ou menor frequência, sérias alterações na vida das pessoas que se veem afetadas por uma situação de crise ou de emergência (SÁ et al, 2008). Assim, as condições de vulnerabilidade
resultam de processos sociais e mudanças ambientais que denominamos de vulnerabilidade socioambiental, pois combinam: a) os processos sociais que resultam na precariedade das condições de vida e proteção social (trabalho, renda, saúde e educação, assim como aspectos ligados a infraestrutura, como habitações saudáveis e seguras, estradas, saneamento, entre outros), que tornam determinados grupos populacionais (por exemplo, idosos, mulheres e crianças), principalmente entre os mais pobres, vulneráveis aos desastres; b) as mudanças ambientais resultantes da degradação ambiental (áreas de proteção ambiental ocupadas, desmatamento de encostas, ocupação desordenada do solo urbano, precariedade de sistemas de drenagem e resíduos sólidos, poluição de águas, solos e atmosfera, entre outros), que tornam determinadas áreas mais vulneráveis frente à ocorrência de ameaças e seus eventos subsequentes (FREITAS et al, 2014 p. 3646).
Algumas dessas circunstâncias golpeiam com tanta violência o estado de equilíbrio de pessoas, famílias e até de uma sociedade inteira, que deixam no seu lastro perdas humanas, materiais e mudanças situacionais extremamente traumáticas (SÁ et al, 2008).
Portanto, diante de tragédias ou desastres naturais muitas pessoas perdem toda a estrutura de vida construída, como é o caso da família e dos amigos, da casa e do emprego. Assim elas podem passar a não pertencer aquele local que habita, mudando muitas vezes temporariamente para a rua por falta de recursos e estratégias, até que obtenha condições físicas, financeiras e emocionais de reestabelecer sua vida frente as mudanças ocorridas.
Por conseguinte, ressalta-se que os desastres rompem a capacidade da rede sociotécnica de manutenção da vida e também a capacidade de processamento da experiência de morte (MATTEDI, 2008, p. 174).
6. CRIANÇA E ADOLESCENTE
A rua é, para muitos, apenas um lugar de passagem. No entanto, circulando pelas ruas das grandes cidades encontra-se uma grande faixa da população que estabelece outro tipo de relação com ela. Para estas pessoas a rua não é apenas um lugar de passagem, mas um meio de vida, um espaço de sobrevivência e de formação de vínculos (LUCCHINI, 1993 apud MENEZES E BRASIL, 1998). Dentre essas pessoas, encontram-se também as crianças e adolescentes, para quem, de acordo com Menezes e Brasil (1998) a rua passa a ter uma função diferenciada servindo como espaços de socialização e de construção subjetiva privada.
Aptekar (1988 apud MENEZES E BRASIL, 1998) define o processo desaída da casa para a rua em estratégias que iniciam com um progressivo espaço de tempo longe de casa, até que a criança partilhe e integre-se totalmente com a cultura da rua. Esse processo é descrito por Luchinni e por Bucher (1993; 1996 apud MENEZES E BRASIL, 1998) em três etapas, onde a primeira caracteriza-se por uma "lua-de mel" com a rua, quando o espaço descoberto é curtido como jogo prometedor de autonomia e liberdade; já na segunda etapa, ocorre uma identificação progressiva com a condição de "criança de rua", favorecendo uma consciência de identificação coletiva e; na última o jovem, desiludido com a rua, tenta deixá-la procurando alternativas mais viáveis. Dessa forma, o autor (1996 apud SANTOS, 2004) propõe quatro grupos de crianças que frequentam o espaço da rua: aquelas que são pobres, trabalham um período na rua, mas voltam para dormir em suas casas e frequentam a escola; as que têm laços familiares instáveis, quase não vão à escola e cometem atos infracionais na rua; as que vivem nas ruas com suas famílias e; as que romperam os laços com suas famílias e passam todo o tempo na rua.
Koller e Hultz (1997 apud ALVES et al, 2002) atenta para a necessidade de abranger outros aspectos além daqueles relacionados ao contexto de rua, entre eles o desenvolvimento cognitivo, social, físico e emocional. Para isso, Alves (1998 apud ALVES et al, 2002) ressalta que é fundamental respeitar os processos individuais de desenvolvimento de cada criança, que variam de acordo com suas histórias de vida e suas habilidades particulares para definir cada uma delas, enquanto pessoa em desenvolvimento.
Assim sendo, os autores Koller e Hultz (1996) afirmam que o viver na rua pode ser prejudicial ou retardar o desenvolvimento psicológico, devido às experiências adversas a que estas crianças estão expostas, como adições, violência e exploração. Paradoxalmente, a vida na rua pode possibilitar experiências que se adicionam e promovem o desenvolvimento.
A criança, no seu desenvolvimento, constitui uma série de laços reais, imaginários e simbólicos que organizam seu psiquismo. A organização psíquica, portanto, é algo que se apoio em dados de realidade concreta, mas também, e principalmente, na vivência subjetiva, na capacidade de fantasiar e capacidade de organizar os conteúdos psíquicos, de metabolizar as experiências vividas pela via de um trabalho psíquico que faz apelo à linguagem, ao pensamento e ao fantasma. (PELSSER, 1988 apud MENEZES E BRASIL, p. 03,1998)
A vida na rua gera altos níveis de stress, riscos frequentes e intensos e testam permanentemente a vulnerabilidade emocional, social, física e cognitiva/educacional desta criança. No entanto, exigem que ela seja resiliente e desenvolva estratégias, tenha forças para lidar com o infortúnio e para se adaptar (DONALD E SWART-KRUGER, 1994 apud KOLLER E HULTZ, 1996).
Quanto ao desenvolvimento emocional, sabe-se que algumas destas crianças demonstram mais saúde emocional ao se afastarem de casa do que permanecendo nela. A família é quem, muitas vezes, representa altos índices de risco para a criança, sendo um ambiente de violência, práticas de abuso e negligência. (APTEKAR, 1989; KUSCHICK E col., 1996; PERES, 1997 apud ALVES, 1998).
No entanto, as funções cognitivas das crianças e adolescentes em situação de rua podem se desenvolver de forma facilitada devido aos vários estímulos que a rua apresenta, pois exige atenção e preparação da criança a fim de manter sua integridade física e sobrevivência como descrito por Aptekar (1989 apud KOLLER e HULTZ, 1996). Contudo, o autor considera que esta atividade permanente, em um âmbito tão diferenciado e provocador, deve gerar desequilíbrios cognitivos e necessidade de equilibração constante. Por outro lado, Forster et al (1992) citado por Koller e Hultz (1996) ressalta que as funções cognitivas dessas pessoas podem ser afetadas pelo uso frequente e até permanente de drogas.
Alguns estudos puderam constatar que “o viver na rua não impede o desenvolvimento de valores e não gera deficiências morais específicas em crianças e adolescentes” (KOLLER E HULTZ, 1996), pois pesquisas concluíram que crianças trabalhadoras de rua podem ter uma aprendizagem natural da matemática (CARRRAHER E col., 1985 apud KOLLER E HULTZ, 1996), bem como, que o raciocínio moral de crianças de rua, quando comparado ao de crianças de mesma idade que vivem com suas famílias, não difere significativamente (BARRETO, 1991 apud KOLLER E HULTZ, 1996) e que apesar de não frequentarem escolas, raciocinam pró-socialmente no mesmo nível que crianças escolares da mesma faixa etária (KOLLER, 1994 apud KOLLER E HULTZ, 1996).
Entretanto, os autores Koller e Hultz (1996) salientam que as crianças em situação de rua apresentam algumas dificuldades, entre elas a de prender a atenção em alguma tarefa mais específica por um período de tempo maior, mas considera-se que a função esteja preservada especialmente se considerarmos a amplitude viso-espacial e a capacidade de atenção difusa dessas crianças. Elas estão atentas a todos os estímulos que a rua apresenta. Outras dificuldades expostas por elas foram a função de memória, que pode se dar pelo uso de drogas e a questão da temporalidade, pela inutilização do tempo nas atividades diárias. Por conseguinte, destaca-se que
as crianças e adolescentes em risco social continuam vivenciando situações de violência responsáveis pela legitimação das relações de poder, nas quais o mais vulnerável é subjugado. Tais relações se estabelecem calcadas no abuso de drogas, nas agressões físicas e morais, rejeição, abandono, prostituição e exploração do trabalho infantil. (WANDERLEY, 1999 apud FERREIRA, LETTING E VESCOVI, 2014, p. 166)
Assim sendo, Rizzini, Barker e Cassiniga (1999) ressalta que com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 em defesa dos direitos da criança tem constituído uma série de mudanças no que concerne as normas que visam à proteção da criança com vistas ao seu desenvolvimento integral e conclama a família, o Estado e a sociedade a proverem condições adequadas ao desenvolvimento de todas as crianças e adolescentes, sem qualquer tipo de distinção ou discriminação. Dessa forma, o Estatuto, tendo por fonte material o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes e a chamada “questão do menor”, aparece como resposta humanitária à injustiça vivida por milhões de seres em situações de vulnerabilidade (SILVA,1999).
7. PROBLEMÁTICA DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Segundo Escorel (1995, p. 6 apud ESMERALDO FILHO, 2006), excluir não significa apenas segregar, marginalizar, mas também desconsiderar a existência humana. Significa “(...) criar e perpetuar condições que tornem permanente o ato de morrer”. Dessa forma, pode-se dizer que a exclusão social, que passamos a conhecer, tem origens econômicas, mas caracteriza-se, também, pela falta de pertencimento social, falta de perspectivas, dificuldade de acesso à informação e perda de autoestima (COSTA, 2005).
No que concerne à população em situação de rua, Botti et al (2009) afirma que esses indivíduos se encontram dentro desse nível de exclusão social já que os mesmos vivem em sua maioria da condição social marcada pela falta de moradia adequada, pobreza, baixo padrão de higiene pessoal e ambiental, sujeitos a doença física e mental, isolamento social, político e social.
Para Sotero (apud SANTANA E CASTELAR, 2014), trata-se de uma população exposta a uma vulnerabilidade que tem suas raízes na história das políticas assistenciais que objetivam suprir, de forma superficial, as necessidades desse público. Esse desinteresse do Estado, de acordo com Costa (2005) reflete a contradição com que a sociedade e a opinião pública tratam o tema, ora com compaixão, preocupação e até assistencialismo, ora com repressão, preconceito e indiferença. Assim sendo, essa população
convive diariamente com humilhações, tendo seu espaço reduzido apenas a viadutos e bancos de praças. Os bens que o mundo oferece são reservados para aqueles de boa aparência, pertencentes a uma classe social que é dominante e que dita as regras de uma “boa” convivência, que é culturalmente excludente. Nessa perspectiva, os sujeitos agem e são levados por um sentimento de não possuírem direitos. (SANTANA E CASTELAR, p. 361 e 362, 2014)
Botti et al (2010) afirma que o estabelecimento do espaço público da rua como campo de relações privadas e a vivência da exclusão social pelo trinômio: expulsão, desenraizamento e privação. Dessa forma, a exclusão social inclui a situação extrema de ruptura de relações familiares e afetivas, além de ruptura total ou parcial com o mercado de trabalho, e de não participação social efetiva. Nesse sentido, o autor coloca essa população como vítima dos processos sociais, políticos e econômicos excludentes que poderá, para Costa (2005) acarretar consequências como por exemplo, na saúde geral das pessoas, em especial a saúde mental, pois se relacionam com o mundo do tráfico de drogas, relativiza valores e estabelece padrões e perspectivas de emancipação social muito restritos. Além de ter seus comportamentos criminalizados e serem repreendidos com a justificativa da busca por higienização e segregação social.
Entretanto, a Política Nacional para Inclusão da População de Rua preconiza os seguintes princípios:
I - Promoção e garantia da cidadania e dos direitos humanos; II - Respeito à dignidade do ser humano, sujeito de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais; III - Direito ao usufruto, permanência, acolhida e inserção na cidade; IV - Não-discriminação por motivo de gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, nacionalidade, atuação profissional, religião, faixa etária e situação migratória; V - Supressão de todo e qualquer ato violento e ação vexatória, inclusive os estigmas negativos e preconceitos sociais em relação à população em situação de rua (BRASIL, 2008 apud SERAFINO E LUZ, p. 78, 2015).
Serafino e Luz (2015) descrevem esses princípios como sendo uma definição de compromisso dos poderes constituídos com a integralidade desse segmento social. A garantia da integralidade do cidadão é uma importante diretriz constitucional, cujo objetivo é a preservação física e psíquica como forma de enfrentar, de forma digna, a exclusão dessas pessoas da vida em sociedade
Destarte, as propostas a cerca dessa população passaram a se direcionar de forma excludente e contribuindo para um imaginário de culpa por esses indivíduos se encontrarem em condição de extrema pobreza. Contudo, com o passar do tempo, abriu-se espaço para que organizações da sociedade civil assumissem propostas solidárias de atendimento; no entanto, em muitos casos, de cunho assistencialista, distantes, portanto, da noção de política pública, enquanto direito dos cidadãos e dever do Estado. (COSTA, 2005)
No entanto, o autor afirma que paralelo a esse caminho rumo à garantia de direitos sociais, tem perpetuado na cultura nacional o sentimento de repressão e segregação, ou mesmo de desvalia, das pessoas que vivem nas ruas. Situação essa que tem sido o pano de fundo de ações violentas, as quais têm origens dispersas no contexto da sociedade em geral.
Por conseguinte, Esmeraldo FIlho (2006) coloca a exclusão social como sendo
um processo que faz parte dos mecanismos utilizados pela classe dominante de uma sociedade historicamente constituída, com o intuito de manter a dominação, o regime sócio-político, o status quo. Através desse processo, os chamados excluídos permanecem destituídos do acesso a determinados bens, serviços, direitos fundamentais e garantias que a própria sociedade garante através de leis e constituições (p.11).
Em decorrência desse processo de inclusão e exclusão social ocorre um processo de produção social de identidades permitindo que os indivíduos pertençam de uma determinada maneira no mundo. Neste sentido, podemos ver também uma dialética, a da identidade/diferença como origem de um processo que inquestionavelmente irá desencadear o processo de inclusão/exclusão, que forçosamente classifica diferenciando para excluir, mas permitindo a pertença (ARAÚJO E TAVARES, 2015).
Quando falamos dessa população reconhecemos que a realidade constituída para ela é um desafio para intervenções voltadas para o seu contexto organizativo e as estratégias de sobrevivência desenvolvidas no espaço urbano (SANTANA E CASTELAR, 2014), já que, na assistência à saúde dessa população defronta-se com inúmeras dificuldades, tais como:
falta de albergues adequados para a administração de medicamentos controlados; locais para higiene corporal; dificuldades no acesso aos recursos terapêuticos e inabilidade dos profissionais de saúde no trato com este tipo de população. Tais fatos indicam um rol de ineficiência dos serviços de saúde que demandam respostas técnicas, gerenciais e de políticas setoriais, sobretudo as de natureza intersetorial. (BOTTI et al, p. 172, 2009)
Dessa forma, as propostas que envolvem um modelo assistencial que atenda uma população em situação de vulnerabilidade e exclusão se aproximam mais da utopia por desconsiderarem os desejos e as necessidades do ponto de vista de quem vive o cotidiano das ruas (SANTANA E CASTELAR, 2014). Assim, a identidade social desta parte da população vem sendo imposta constantemente e sem escrúpulos pelo restante de nossa sociedade, em um processo dialético em que a população em situação de rua torna-se produto da própria sociedade, que forçadamente os exclui mesmo quando tenta incluir (ARAÚJO E TAVARES, 2015). Fatores, esses, que distanciam as políticas de cuidado e acessibilidade reivindicadas pela população em situação de rua, sendo um agravo na reestruturação da identidade e nas possibilidades de acesso aos direitos de todo cidadão (SANTANA E CASTELAR, 2014).
Portanto, para romper com este ciclo, Botti et al (2009) afirma que há necessidade de ações intersetoriais para este segmento populacional, onde sejam consideradas as peculiaridades da cultura da rua, onde seja consolidada uma política assistencial capaz de formular ações que envolvam a sociedade e o Estado como integrantes participativos para uma prática descentralizada. Assim, para Santana e Castelar (2014) espaços construídos para a inclusão e a assistência à população em situação de rua devem ter o compromisso de acolher um público com diferentes contextos subjetivos, possibilitando a criação de vínculos, além de, estimular a participação desses sujeitos como cidadãos ativos nas práticas que instiguem a busca pelos seus direitos e sua autonomia social.
Segundo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) concretiza a formulação de uma política pública voltada para a garantia dos direitos, dos princípios de seguridade e universalização do acesso a condições básicas para a sobrevivência. (SANTANA E CASTELAR, 2014). Para os autores, elas necessitam atuar em perfeita sintonia com as políticas públicas de saúde do SUS, pois “a gravidade dos problemas sociais brasileiros exige que o Estado estimule a sinergia e gere espaços de colaboração, mobilizando recursos potencialmente existentes na sociedade [...]”.
Vale ressaltar que, segundo Santana e Castelar (2014), essas ações devem percorrer um caminho que envolve uma prática na política de redução de danos, dentro dos princípios de equidade, uma atenção assistencial que considere a população em situação de rua dentro de sua realidade, oferecendo estratégias de defesa pela vida e multiplicando possibilidades de resgate da cidadania e garantia dos seus direitos visando dar autonomia para a população em situação de rua.
De acordo com o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG) (2015, p. 26) os principais serviços/equipamentos voltados ao atendimento à população em situação de rua são: Serviços de Acolhimento Institucional, Serviços de Acolhimento em República, Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), Serviço especializado de Abordagem Social, Consultório de Rua e Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad).
Os Serviços de Acolhimento Institucional, bem como os de Acolhimento em República são considerados Proteção Social de Alta Complexidade do SUAS, oferecendo atendimento às famílias e indivíduos que se encontram em situação de abandono, ameaça ou violação de direitos, necessitando de acolhimento provisório, fora de seu núcleo familiar de origem (SANTOS E COUTO, 2015) onde a organização do serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de: ciclos de vida, arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual (CÂMARA TEMÁTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS, 2010). Além disso, o Acolhimento em República deve apoiar a construção e o fortalecimento de vínculos comunitários, a integração e participação social e o desenvolvimento da autonomia das pessoas atendidas (CÂMARA TEMÁTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DA REGIÃO METROPOLITANA DE CAMPINAS, 2010). Ressalta-se que nesse último atende-se apenas pessoas maiores de 18 anos.
Já o Centro de Referência Especializado de Assistência Social para a População em Situação de Rua (Centro POP) se insere na proteção social de média complexidade visando prover atenções socioassistenciais às famílias e aos indivíduos em situação de risco pessoal e social (SILVA, 2012), principalmente a população em situação de rua que podem procurar o serviço de forma espontânea ou via encaminhamento a fim de fortalecer os vínculos dos usuários com a equipe, possibilitando encaminhamentos diversos que visem a superação da situação de rua (BRASIL, 2011 apud CRP-MG, 2015, p. 27). Silva (2012) destaca que nessa instituição o acolhimento é realizado por etapas:
- Higienização pessoal;
- Refeição;
- Preenchimento da ficha de atendimento com o educador social;
- Anamnese social com o assistente social e;
- Acompanhamento psicológico e/ou jurídico e outros encaminhamentos da rede socioassistencial.
Assim sendo, de acordo com Brasil (2011 apud CRP-MG, 2015, p.27), o trabalho realizado no Centro POP contribui com a melhoria da autoestima, desperta o desenvolvimento de consciência crítica com relação à cidadania, direitos e deveres, bem como, acompanha o usuário em suas demandas.
Outro serviço que atende a referida população é o Serviço Especializado de Abordagem Social. Este, para Costa (2013, p. 123) objetiva
assegurar acompanhamento especializado com atividades direcionadas para o desenvolvimento de sociabilidades, resgate, fortalecimento ou construção de novos vínculos interpessoais e/ou familiares, tendo em vista a construção de novos projetos e trajetórias de vida, que viabilizem o processo gradativo de saída da situação de rua.
Para isso, Brasil (s.d. apud CRP-MG, 2015) enfatiza que o serviço deve buscar a resolução de necessidades imediatas e promover a inserção na rede de serviços socioassistenciais e demais políticas públicas na perspectiva da garantia dos direitos, assim, deverá identificar nos territórios a população em situação de rua, bem como, a incidência de trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, entre outros.
Ademais há o Consultório de Rua, este foi instituído pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) do Ministério da Saúde visando
ampliar o acesso e a qualidade da atenção integral à saúde da população em situação de rua, possibilitando sua inserção efetiva no Sistema Único de Saúde (SUS), tendo como porta de entrada preferencial a Atenção Básica, promovendo dessa forma a equidade para essa população historicamente excluída. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011 apud SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, s.d.)
Contudo, Brasil (2010 apud CRP-MG, 2015) ressalta que esses dispositivos são adaptados para as especificidades de uma população complexa possibilitando um espaço concreto do exercício de direitos e cidadania oferecendo cuidados no próprio espaço da rua a fim de preservar o respeito ao contexto sociocultural da população. Dessa forma, também se fornece um ambiente no qual o usuário se sinta respeitado e reconhecido como sujeito para criar um movimento de aproximação entre essa população e os serviços de saúde. (CRP-MG, 2015)
Por conseguinte, é necessário que a equipe multiprofissional desses consultórios faça inicialmente um diagnóstico a fim de planejar as ações deles por meio do reconhecimento das especificidades das subáreas identificadas no território, com fluxo e perfil diferenciados, nas quais os processos de trabalho devem ser focados, gerando práticas orientadas às demandas de cada uma das realidades observadas possibilitando à equipe um olhar focado em um tripé: território, grupo social e singularidade do sujeito. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012)
Encerrando os dispositivos e equipamento voltados à essa população, temos o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad), onde são oferecidos serviços de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, devendo oferecer atendimento diário, intensivo, semi-intensivo ou não intensivo (LARENTIS E MAGGI, 2012). Inclusive o atendimento ofertado em CAPSad tipo III que apresenta funcionamento 24 horas. Brasil (2003 apud CRP-MG, 2015, p. 34) ressalta os principais serviços ofertados pelo dispositivo CAPSad, são eles:
- Atendimento diário aos usuários, dentro da lógica de redução de danos;
- Permanência dia;
- Permanência noite para os que necessitam (CAPSad tipo III);
- Gerenciamento dos casos oferecendo cuidados personalizados;
- Condições para repouso e desintoxicação ambulatorial de usuários que necessitem e;
- Ações junto aos usuários e seus familiares
Dessa forma, Costa-Rosa, Luzio e Yasui (2013 apud MENDES E HORR, 2014) destacam que
proposta do CAPS ad tem como base a atenção psicossocial e deve levar em conta a singularidade do sujeito em suas particularidades e isso inclui a sua vulnerabilidade psicológica, ou seja, a sua capacidade de lidar com as situações e fatores estressantes na vida. Além disso, a clínica psicossocial deve ultrapassar o curativo em direção à transformação política e cultural dos estigmas vivenciados pelos dependentes de álcool e outras drogas (p. 92).
Entretanto, o dispositivo falha no que concerne ao atendimento agendado, visto que as pessoas em situação de rua encontram dificuldades na efetivação de seu atendimento já que esse modo de trabalho não se encaixa na lógica de sobrevivência dessa população. Assim sendo, o Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (2015, p. 36) salienta a necessidade da equipe em construir caminhos que propiciem que o sujeito aflore sua singularidade e modo de ser.
No entanto, é importante ressaltar a influência que o ECA (BRASIL, 1990 apud SANTANA, DONINELLI, FROSI E KOLLER, 2005) exerce sobre as concepções acerca das crianças e adolescentes em situação de rua. O ECA entende as crianças e adolescentes como sujeitos de direito, sendo-lhe garantidos a sua proteção integral (GONTIJO E MEDEIROS, 2009, p. 471).
Para entender melhor, a Organização das Nações Unidas defini criança de rua como sendo qualquer menino ou menina que tenha adotado o espaço público da rua como lugar habitual, onde estabelece relações, desenvolve meios de sobrevivência expondo-se a ameaças, sem a supervisão ou mesmo orientação adequada por parte de adultos ou responsáveis (FERREIRA, LITTIG E VESCOVI, 2014), dessa forma, de acordo com o ECA viola-se os direitos da criança e do adolescente, pois de acordo com o Estatuto é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária.
Destarte, observa-se no presente maior preocupação em melhorar a situação das “crianças de rua”, criando-se uma diversidade de programas que visam atender às suas necessidades. Porém, pouco se tem feito no sentido preventivo, evitando que as crianças continuem migrando para as ruas (RIZZINI, BARKER E CASSANIGA, 1999). Neste sentido, quando há implementam-se as medidas de proteção. Estas medidas de proteção correspondem a diferentes estratégias, que vão desde a orientação dos pais ou responsáveis, até a colocação da criança ou adolescente em famílias substitutas, perpassando pela inclusão em programas comunitários ou em abrigos (GONTIJO E MEDEIROS, 2009, p. 471)
No entanto, antes do acolhimento institucional ou do retorno ao convívio familiar há a necessidade de
sensibilização para o acolhimento no serviço e construção de vínculo de confiança com o mesmo [a criança ou adolescente]. Ao longo do processo de trabalho pela saída da rua [...] deve-se trabalhar também o significado do “estar e não estar na rua”, expectativas, desejos e temores quanto à retomada do convívio familiar e social, dentro outros aspectos. (BRASIL, 2009 apud CRP-MG, 2015, p. 63)
Para Gontijo e Medeiros (2009, p. 472) é necessário direcionar a atenção para as crianças e adolescentes que apresentam ruptura dos vínculos familiares e/ou escolares, vivendo de forma independente nas ruas, pois este grupo representa aqueles para os quais a vulnerabilidade chega ao seu extremo, podendo chegar a uma situação de desfiliação em decorrência da não inclusão pelo trabalho, pela inserção relacional ou pela rede de assistência.
Ainda para os autores, nesta forma de existir e viver, a violência apresenta-se como uma forma de interação que faz parte do dia-a-dia, sendo caracterizada como mais um dos aspectos da chamada “cultura de rua”.
8. A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA DIANTE DA SITUAÇÃO DE RUA
As pessoas e grupos que vivem nas ruas das cidades, considerados supérfluos à vida (CASTEL, 1998 apud KUNZ, HECKERT E CARVALHO, s.d.), têm sido alvo de um campo de indagações e intervenções, bem como do uso de velhas e novas estratégias de controle de suas vidas (KUNZ, HECKERT E CARVALHO, s.d., p. 920). Dentre essas intervenções estão as psicológicas, já que apesar de recente, no Brasil, os psicólogos atuam no âmbito da assistência social, constituindo, de acordo com Senra e Guzzo (2012, p. 293) uma ampliação necessária do campo profissional para um envolvimento mais direto com as questões sociais, essa realidade ainda impõe inúmeros desafios e problemas aos profissionais.
Contudo, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) reconhece, ao publicar referências técnicas para o exercício profissional para a área da assistência social, que “a despolitização, a alienação e o elitismo marcaram a organização da profissão e influenciaram na construção da ideia de que o (a) psicólogo (a) só faz Psicoterapia” (Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal de Serviço Social, 2007, p. 20 apud SENRA E GUZZO, 2012 p. 294). Porém, os autores destacam a Psicologia como uma construção humana condicionada histórica e culturalmente onde os psicólogos ocupam lugar central quando se pretende abordar esta questão do compromisso social. Os conhecimentos são produzidos por sujeitos concretos imbuídos de suas experiências, visão de mundo e interesses que se expressam em práticas diversificadas. (SENRA E GUZZO, 2012, p.297)
Dessa forma, Andery, (1989, p. 207) descreve a Psicologia na Comunidade sob três visões. A primeira coloca que a Psicologia na Comunidade pretende aproximar-se das classes populares, ajudando-as na conscientização de sua identidade psicossocial de classes submissas e dominadas, como primeiro passo para uma superação dessa degradante situação de submissão procurando difundir-se através do trabalho do psicólogo e de outros profissionais envolvidos com trabalho educativo e social. Já a outra visão é aquela que
pretenderia formar psicólogos inseridos nos bairros e instituições populares na qualidade de controladores morais dos hábitos e comportamentos desviantes. Pensou-se até em formar psicólogos na Comunidade para controle social dos toxicômanos, criminosos e demais desvios estigmatizados pelos códigos morais vigentes, incluindo-se aí homossexuais, desempregados e menores abandonados. O psicólogo seria uma extensão, no bairro, do braço policial e, sem armas, usaria as armas das técnicas psicológicas de controle e repressão. Nem todas as propostas nesse sentido obedecem rigidamente ao exposto acima e há matizes de proposição. (ANDERY, 1989, p.209)
Uma terceira visão apontaria para um ativismo político partidário, nos bairros populares, onde ao invés de profissionais preocupados com o crescimento das práticas educativas e de conscientização e libertação, os ativistas partidários poderiam, sob o manto da Psicologia, impor seus partidos políticos e recrutar seus grupos ou tendências de apoio partidário. (ANDERY, 1989, p.209)
Freitas (1998, 2001 apud COSTA E CARDOSO, 2010) acredita que os objetivos dos psicólogos em comunidades devem ser definidos a posteriori, de modo que a população indique os caminhos para a prática e construa, conjuntamente, alternativas para assumir seu cotidiano, desenvolvendo a consciência crítica e fomentando relações solidárias e éticas. Para isso, Afonso (2008 apud COSTA E CARDOSO, 2010) defende que que a Psicologia e a Psicologia Social devem se aliar à assistência social na construção de uma abordagem participativa, no desenvolvimento de potencialidades, na autonomia dos sujeitos e no fortalecimento de vínculos sociais.
No entanto, a inserção do psicólogo na assistência social oficializa-se no país, portanto, por intermédio do SUAS, como um dos profissionais que devem compor as equipes dos Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e dos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) (SENRA, GUZZO, 2012, p. 295). Nesses dispositivos, o psicólogo atua na identificação e prevenção dos riscos e vulnerabilidades sociais por oferecer uma escuta qualificada, a qual colabora para transformar os entraves nos desenvolvimentos psicológico e social em problematizações das experiências cotidianas, tendo o caráter preventivo, e não curativo (COSTA E CARDOSO, 2010). Para Costa e Brandão (2005 apud COSTA E CARDOSO, 2010), a intervenção comunitária se dá quando há sofrimento do indivíduo, de um grupo ou de uma comunidade, e deve propiciar o desenvolvimento de mecanismos de ajuda sem que se tornem dependentes da intervenção efetuada.
Contudo, dentro da PNAS a prática é interdisciplinar causando dificuldade em definir o limite de atuação de cada profissional, tais dificuldades advêm da própria forma de funcionamento da política pública, que define a mesma função para diferentes profissionais e não propõe ações específicas para a atuação tanto do psicólogo quanto do assistente social (CRP-MG, 2015, p. 43).
Assim sendo, o psicólogo que atua nessa política necessita reinventar sua prática interventiva, não podendo apresentar, para o CRP-MG (2015, p. 45) uma posição endurecida durante suas atuações compreendendo que o seu fazer com a PSR ultrapassa o setting clínico e não se trata de psicoterapia, devendo ao profissional distinguir, pela forma de intervenção e pelos objetivos, a psicoterapia da abordagem psicossocial. Destarte, em consonância com a PNAS, o psicólogo trabalhará construindo estratégias que efetivem o acesso do cidadão aos direitos socioassistenciais, levando em conta, porém, a dimensão subjetiva que está envolvida na situação de vulnerabilidade e/ou violação de direitos. (CRP-MG, 2010, p. 42)
Costa e Cardoso (2010) enfatiza que o diálogo conduz à busca de soluções concretas e criativas para os problemas gerados pela exclusão social e por toda a precariedade da vida humana causada por ela. Por conseguinte, o CRP-MG (2010, p. 40) defende que independentemente da abordagem, a terapia breve apresenta melhor resultado para o atendimento à população em situação de rua, não obstante, outra alternativa de trabalho seria semelhante ao acompanhamento terapêutico.
Para Lustosa (2010) e Oliveira (1999) a Psicoterapia Breve trata-se de uma intervenção psicoterapêutica que se utiliza da técnica focal, privilegiando um campo a ser tratado, dentre tantos outros existentes no indivíduo. Ainda de acordo com os autores, a técnica se dá com tempo e objetivos limitados atuando em condições muito especiais, determinadas claramente, e, das quais dependerá seu sucesso. Ressalta-se que a mesma é alicerçada em um tripé: foco, estratégias e objetivos.
Os objetivos são estabelecidos a partir de uma compreensão diagnóstica do paciente e da delimitação de um foco, considerando-se que esses sejam passíveis de serem atingidos através de determinadas estratégias clínicas (OLIVEIRA, 1999), as quais se propõe a modificar os sintomas apresentados, aliviálos ou mesmo suprimi-los, no entanto isto se deve, principalmente, à variação do emprego do repertório defensivo do sujeito, assim como da ampliação da consciência de possibilidades e de entraves em si (LUSTOSA, 2010).
Assim sendo, Lustosa (2010) afirma que é possível observar invariavelmente, a partir da utilização da Psicoterapia Breve, a conquista de maior ajustamento nas relações interpessoais, proporcionando também, ao cliente, nítida ampliação no desenvolvimento de horizonte prospectivo, assim como autoestima mais realista, e novos suportes de sua identidade.
Já o acompanhamento terapêutico (AT) surgiu como forma complementar às intervenções psicoterapêuticas tradicionais de atendimento a pacientes psicóticos: psicoterapia, uso de medicamentos psiquiátricos e, em alguns casos, internação psiquiátrica (QUAGLIATTO E SANTOS, 2004, p. 79). Desde que essa prática surgiu, houve um avanço na alteração do perfil de quem faz o acompanhamento – do leigo, para o estudante, culminando com o profissional de Psicologia clínica –, é preciso um pouco de cuidado quanto a esse fato, pois, em primeiro lugar, a potência do trabalho de AT depende em parte da falta de saber do AT (REIS NETO, PINTO E OLIVEIRA, 2011, p. 36) isso se dá porque profissional apesar de necessitar de um referencial teórico para desenvolver o trabalho de AT ele também deve ser ele mesmo, permitindo que o sujeito entre em contato com sua personalidade. Para isso o AT precisa “barrar” o clínico portátil e manejar sua escuta e vínculo por meio da criatividade sem deixar de ser terapêutico.
Assim, de acordo com Palombine (2006, p. 117) o acompanhamento terapêutico torna-se uma função emblemática da mistura e contágio das disciplinas psi com o espaço e tempo da cidade, ou seja, caracteriza-se por ser um tratamento que se faz em movimento (REIS NETO, PINTO E OLIVEIRA, 2011, p. 31). Mauer e Resnizky (1987 apud LONDERO E PACHECO, 2006, p. 260) sugerem as funções principais do acompanhante terapêutico, sendo elas:
- conter o paciente;
- oferecer-se como modelo de identificação;
- trabalhar em um nível dramático vivencial e não interpretativo;
- emprestar o “ego”;
- perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente;
- informar sobre o mundo objetivo do paciente;
- representar o terapeuta;
- atuar como agente ressocializador; e
- servir como catalisador das relações familiares.
Destarte, na medida em que o AT é chamado a estabelecer um vínculo e a oferecer uma escuta ao sujeito que acompanha, presume-se que isso é parte do que tornará sua atividade terapêutica. Essa demanda feita ao AT coloca-o de imediato no campo das psicoterapias e na problemática ligada ao manejo da sugestão e do fator mental (REIS NETO, PINTO E OLIVEIRA, 2011, p. 37).
Desse modo, pode-se apontar que um dos grandes desafios da intervenção do Psicólogo na assistência social,
é o rompimento do paradigma assistencialista e curativo ainda vigente nas práticas da Psicologia junto às comunidades, visando-se com isso ao estabelecimento de vínculos capazes de gerar mudanças nas relações sociais, de modo a torná-las mais dignas, igualitárias e duradouras. Trata-se de um longo percurso de construção do saber psicológico em torno de uma nova possibilidade de inserção profissional - as políticas públicas de assistência social, em especial o SUAS. Uma proposta ousada, a qual só poderá ser alcançada na medida em que cada passo seja avaliado criticamente. Muito há que ser criado e recriado para que o papel da Psicologia em tais serviços seja cumprido de forma inovadora e transformadora. (COSTA E CARDOSO, p. 227, 2010)
Logo, o enfretamento da exclusão precisa utilizar duas estratégias conjugadas: uma delas, de responsabilidade do poder público, voltada para as questões materiais e jurídicas; e, a outra, realizada pelo psicólogo, diz respeito à afetividade e à intersubjetividade e busca a “compressão e apreciação do excluído na luta pela cidadania” (SAWAIA, 2012 apud CRP-MG, 2015, p. 69, 70). A união dessas estratégias agregaria harmonicamente as necessidades do corpo e da alma e, por isso, daria às políticas públicas um viés verdadeiramente humano (CRP-MG, 2015, p. 69, 70).
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo esclarecer e debater de forma crítica, porém não estigmatizada, a problemática da exclusão e inclusão vivenciada pela chamada população em situação de rua, abrangendo as políticas públicas voltadas a esses sujeitos e o papel da Psicologia nesse contexto.
Com isso, ficou evidente que as pessoas que se encontram nessa situação são muito diversificadas, mas tem em comum o fato de dividirem o espaço público como local onde acontecem suas relações sociais. Assim, esses indivíduos se caracterizam pela extrema pauperização que vivem podendo utilizar das ruas como local para viver e/ou trabalhar. Contudo, essa situação pode ser transitória ou permanente e ter inúmeras causas que vão do transtorno psíquico e uso de substâncias psicoativas à desigualdade, bem como ao desemprego e questões políticas que concerne o refúgio e os desastres e tragédias.
Destarte, as crianças e adolescentes também fazem parte da rua, o que leva à algumas mudanças no desenvolvimento delas quando comparados a crianças que possuem lar com laços familiares estáveis. Vale ressaltar que essas mudanças nem sempre são prejudiciais, pois apesar de desfavorável no que se refere ao desenvolvimento psicológico, visto que são crianças expostas a situações de violência e/ou exploração que as colocam em estado constante de vulnerabilidade elas também podem apresentar um desenvolvimento cognitivo mais facilitado e até mesmo uma saúde mental mais saudável por se afastar de um ambiente "doente". No entanto, muitas dessas crianças possuem casas onde voltam para dormir até que se estabeleçam de uma vez por todas na rua.
Essas pessoas são vítimas de processos políticos, econômicos e psicossociais que os excluem e rompem com os vínculos afetivos e também empregatícios fazendo com que elas "parem de pertencer" a sociedade formal. Devido a isso, a condição de vida delas passa a ser marcada pelo preconceito e pela repressão social enraizadas de forma mascarada por propostas assistencialistas que com o passar do tempo dão espaço para políticas públicas que promovem e garantem os direitos dessa população com respeito e dignidade produzindo identidade e pertença na sociedade por meio de alguns equipamentos criados para o atendimento desses indivíduos. Nesses locais, o profissional de Psicologia atua visando prevenção de entraves psicológicos causados pelas experiências cotidianas e o estabelecimento de vínculos e relações sociais mais dignas e estáveis possibilitando o desenvolvimento de potencialidades e autonomia.
Por conseguinte, destaca-se que é possível notar algumas dificuldades no trabalho realizado com a PSR, tanto no que diz respeito a adaptação das demandas dessa população pelos equipamentos de atendimento, quanto no que se refere a atuação de psicólogos e assistentes sociais nesse contexto. Assim, enfatiza-se a necessidade de compreender melhor a situação de rua a fim de estudar o estabelecimento de políticas públicas mais eficientes, onde o foco não seja a retirada dessas pessoas das ruas, respeitando a condição de cada um, bem como a implementação de medidas de proteção à crianças que evitem que elas caiam nas ruas.
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