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Filosofia política na época contemporânea

 


Filosofia política na época contemporânea

2.2.4 Filosofia política na época contemporânea

Hegel e o hegelianismo
Falar de Filosofia política contemporânea sem referir Hegel é procurar dificultar a compreensão da filosofia política da nossa época.

Fig. 18: Hegel

A Filosofia do Estado de Hegel resume-se à subordinação do individuo ao Estado, no qual este se dissolve em nome de uma ordem suprema, a ideia absoluta que norteia as outras inteligências e vontades, legitimando-se, desta maneira, o regime ditatorial. Objecto e não o sujeito do seu destino. A sua vontade é sufocada pela vontade do Estado e o individuo perde a sua liberdade.
      É este factor que será contestado pelos liberais. Quando Hegel morre, em 1831, os seus discípulos começaram a discutir se o Estado prussiano de então, com as suas instituições e as suas realizações económicas e sociais, deveria ser considerado o momento da síntese dialéctica, como a realização máxima da racionalidade do espírito.
Acredita-se que os regimes ditatoriais que proliferaram no século XIX sejam fruto desta visão hegeliana sobre o Estado.
Uns afirmavam, enquanto outros negavam. Estes últimos invocavam a teoria da dialéctica para sustentar que não era possível deter-se naquela configuração política e que a dialéctica histórica deveria negá-la paca a superar e realizar uma racionalidade mais elevada (de acordo com o método dialéctico de Hegel).
O alemão David Strauss designou estas duas alas por esquerda e direita hegelianas, em 1837, temos usados no parlamento francês para referir o espírito reformista e o espírito reformista conservadorista defendido por cada uma das alas, respectivamente. A esquerda e a direita políticas constituem, respectivamente, os partidos socialistas ou comunistas e os partidos capitalistas (liberais).
Analisaremos, na Filosofia contemporânea, dois autores, nomeadamente John Rawls e Karl Popper, ambos liberais, apesar de haver certas particularidades que levam alguns estudiosos a negar este atributo ao primeiro.

John Rawls
O pensamento político do filósofo norte-americano John Rawls encontra-se patente nas abras Uma Teoria de Justiça, de 1971, e O Liberalismo Político, resultando esta última da revisão do pensamento expresso na primeira, devido às infirmaras críticas feitas por «libertários» e comunitários. A obra Uma Teoria de Justiça está dividida em três partes. A primeira parte trata das teorias, a segunda das instituições e a terceira dos fins. Na primeira parte, Rawls apresenta ideias principais a desenvolver ao longo da obra; na segunda, a necessidade de uma democracia constitucional como pano de fundo para a das ideias referidas na primeira; e, na -terceira, descreve o estabelecimento da relação entre a teoria da justiça e os valores da sociedade e o bem comum.

Como citamos anteriormente, para Rawls, a justiça a estrutura de base da sociedade e a primeira virtude das instituições sociais. Esta concretiza-se na efectivação das liberdades individuais c na sua não restrição para o benefício de outrem. Uma sociedade justa, defende Rawls, deve fundar-se na igualdade de direitos. A justiça não pode ser deduzida a partir das concepções de bem difundidas na sociedade, porque se aliam ao utilitarismo.
Assim, a justiça deve ser encarada como a capacidade concedida pessoa para escolher os seus próprios fins. Portanto, a justiça diz respeito a uma «estrutura de base» que «congrega as instituições sociais mais importantes, a constituição, as principais estruturas económicas, bem como a maneira através da qual estas representam os direitos e os deveres fundamentais e determinam a repartição dos benefícios extraídos da cooperação social».
Rawls sabe que, na estrutura de base, os homens ocupam posições diferentes, o que origina desigualdade em termos de social. Por isso, a justiça tem de corrigir estas desigualdades.
Daí a necessidade de um novo contrato social que defina os princípios da justiça identificando regras que, pessoas livres e racionais, colocadas numa «posição inicial de igualdade», escolheriam para formar a sua sociedade. A definição dos princípios da nova organização social deve ser feita à luz do «véu de ignorância», para que ninguém efectue escolhas em função da sua situação pessoal de desigualdade. Portanto, a justiça em Rawls deve ser entendida como equidade.

Como defende Rawls, os princípios da justiça devem ser classificados por ordem lexical e, por consequência, a liberdade não se pode limitar senão em nome da própria liberdade. Há dois casos a referir:
a) uma redução da liberdade deve reforçar o sistema total da liberdade que todos partilham;
b) uma desigualdade sé deve ser aceitável se servir para beneficiar os cidadãos menos favorecidos.
Surge, então, o princípio da diferença, com a finalidade de «limar» as desigualdades, organizando-as, na condição de todos beneficiaram, principalmente os desfavorecidos. Para isso, o Estado deve dividir-se em quatro departamentos:
Departamento das atribuições — tem a missão de velar pela manutenção de um sistema de preços e impedir a formação de posições dominantes excessivas no mercado.
Departamento da estabilização – tem como objectivo proporcionar pleno emprego.
Departamento das transferências sociais – tem como função velar pelas necessidades sociais e intervir para assegurar o mínimo social (Estado de providência).
Departamento para a repartição — tem como fim preservar uma certa justiça neste domínio graças fiscalidade e aos ajustamentos necessários do direito de propriedade.
Críticas a Uma Teoria de Justiça
Robert Nozick concorda com Rawls em considerar a necessidade de determinar o justo independentemente do bem, todavia, nota uma certa contradição nos dois princípios de justiça de Rawls. Para este critico, a questão de saber se uma distribuição é justa depende do modo como esta nasceu, o que implica a sua análise histórica. Por exemplo, alguns espectadores, tendo ficado deleitados com a habilidade profissional de um jogador, decidem doar uma soma em dinheiro a esse mesmo jogador (além do salário mensal que este já recebe) e ele enriquece. Obviamente, este jogador assumirá uma posição de desigualdade em relação aos seus colegas, que não impressionaram o público da mesma manterá que ele. Apesar desta desigualdade, parece ser justo o seu enriquecimento.

Nestes casos, portanto, a justiça como equidade revela-se impossível de aplicar ou injusta, Nozick questiona-se: por que processo urna tal transferência entre duas pessoas poderia dar origem a uma reivindicação de justiça distributiva sobre uma porção do que fora transferido por uma terceira pessoa que não tinha qualquer direito de justiça sobre a menor fruição das outras antes da transferência?
A partir desta análise, Nozick conclui que nenhum princípio de justiça final (que siga um modelo) se pode realizar de maneira continua sem interferência continua na Vida das pessoas.
Outra critica que o libertário Nozick faz a Rawls deriva do facto de este ter postulado que os dons pessoais dos indivíduos devem ser usados em benefício dos menos dotados, como mostra o seguinte trecho: «os que foram favorecidos pela natureza […] podem tirar benefício da sua sorte somente na condição de esta melhorar os menos bem-dotados». Para Nozick, esta atitude legitimaria o uso de indivíduos como meios, entrando em contradição com o seu próprio princípio, posição partilhada pelos comunitários Sandel e van Paris, este último asseverando que a propriedade plena de cada um é incompatível por si mesma com a propriedade conjum dos talentos pressupostos no segundo princípio.
No geral, os comunitários consideram contestável o pressuposto da possibilidade de escolhas racionais feitas de maneira isenta distância das práticas colectivas. De acordo com Michael Walser, nenhuma abstracção pode ser feita sem considerar as circunstâncias sécio-históricas e a significação simbólica dos bens, cuja repartição deve obedecer aos princípios da justiça.

O liberalismo político de Rawls
      Depois das críticas feitas a Uma Teoria de Justiça, Rawls reconheceu-as e escreveu um artigo intitulado «A Prioridade do Direito e Ideias do Bem» (The Priority or Right and Ideas or the Good), em 1988. Neste artigo, defende que a unidade política de uma sociedade não é exequível se os seus membros não partilharem uma certa concepção de bem, sem, no entanto, revogar a primazia do justo sobre o bem.
Esta visão foi desenvolvida na obra O Liberalismo Político, onde reconhece igualmente que a justiça como equidade é um projecto irrealista. Porém, assevera que a nova teoria do liberalismo deve estabelecer uma base sobre a qual se possam erguer instituições politicas liberais, o que implica a identificação de um substrato comum das ideias aceitáveis e aceites pela comunidade pública e, em seguida, considerar os termos de coexistência entre estas ideias e urna concepção politica da justiça, que deverá estar de acordo com as convicções bem pesadas dos indivíduos, a todos os níveis de generalidade ou, pelo menos, em equilíbrio com as mesmas.

Vamos recordar...
– Rawls teorizou com um certo brilhantismo, uma igualdade absoluta.
– Para Rawls, a justiça é a estrutura de base da sociedade. Uma sociedade justa, segundo ele, deve fundar-se na igualdade de direitos.
– A sua teoria foi criticada por não ser possível executá-la sem violar o princípio da propriedade privada adquirida de forma legitima.
– Reconhecendo a inexecutabilidade da sua teoria de justiça, recomenda, todavia, que a nova teoria do liberalismo estabeleça uma base sobre a qual se possam erguer instituições políticas liberais.

Karl Popper (1902 – 1994)
Karl Rairnund Popper nasceu em 1902, em Viena, na Áustria. Estudou Matemática, Física, Filosofia, Psicologia e História da Música. Deu aulas no ensino secundário e participou nos «encontros de café» do Círculo de Viena, apesar de nunca ter sido convidado para o efeito. Escreveu A Lógica da Descoberta Científica, em 1934, obra que o tornou célebre. Por ser de descendência judaica, foi vítima da perseguição nazi e viu-se obrigado a encontrar um refúgio. Em 1937, fugiu para a Grã-Bretanha. Entre 1938 e 1946, deu aulas de Filosofia na Universidade da Nova Zelândia, tendo escrito, nesse período, as suas obras políticas Pobreza do Historicismo e A Sociedade Aberta e Os Seus Inimigos. Depois, regressou Grã-Bretanha e manteve a sua carreira universitária. Em 1969, passou a dedicar a sua Vida ao estudo e as conferencias.

Fig. 21: Karl Popper.
 

As principais obras de Popper são as seguintes:
  • Lógica da Descoberta Científica (1934);
  • A Sociedade Aberta e os seus Inimigos (1943);
  • Pobreza do Historicismo (1944);
  • Conjecturas e Renutações; O Crescimento do Conhecimento Científico (1963);
  • Conhecimento Científico; Um Enfoque Evolucionário (1973);
  • Sociedade Aberta. Universo Aberto (1982);
  • Para um Mando Melhor (1989), entre outras.

Pensamento político
Condicionado pelo terror nazi, de que foi vítima, Popper reflectiu sobre a gênese e fundamentação ideológica dos regimes totalitários. Devido às suas investigações, chegou conclusão que tais regimes (totalitários) foram idealizados por Platão, Hegel e Marx, baseando-se na visão destes filósofos sobre o historicismo.
O historicismo concebera um método dialéctico que foi aplicado ao estudo da sociedade.
O método dialéctico hegeliano, patente no historicismo, segue a ordem triádica de tese, antítese e síntese. O historicismo centra-se na fé em leis férreas de desenvolvimento da história Humana na sua inteireza, leis essas que não permitem ao homem sonhos utópicos, nem planos racionais de construção social. Para Popper, as teses metodológicas do historicismo constituem o suporte teórico mais válido das ideologias totalitárias.
Na obra A Sociedade Aberta e Os Seus Inimigos, Popper critica o método dialéctico e ataca a ideologia historicista que defendia o totalitarismo. A sociedade aberta opõe-se à sociedade fechada, que é uma sociedade totalitária, concebida organicamente e organizada tribalmente segundo normas não modificáveis.
A sociedade aberta, em contrapartida, baseia-.se no exercício critico da razão Humana, como sociedade que não apenas tolera como também estimula no seu interior e por meio de Instituições democráticas a liberdade dos indivíduos e dos grupos, tendo em Vista a solução dos problemas sociais, ou seja, as reformas continuas.
Nesta, os governados têm a possibilidade efectiva de criticar os seus governantes e de os substituir sem derramamento de sangue e sem que isso signifique que o democrata deva aceitar a ascensão do totalitário ao poder. Popper admite a possibilidade da violenta, a qual só é justificada se for pala derrubar um tirano.

Principais ideias de Popper
1. «A história da humanidade não tem um sentido concreto que antecipadamente possa ser conhecido; o único sentido que possui é aquele que os homens lhe dão.»
2. «O progresso da humanidade é possível e não carece de um critério último de verdade.»
3. «A razão humana é essencialmente falível, o dogmatismo não tem, pois, qualquer fundamento. A única atitude justificável para atingir a verdade é através do diálogo, o confronto de ideias por meios não violentos. Na ciência, significa aceitar o risco de formular hipóteses que venham depois a ser refutadas pela experiência. Na política, essa atitude significa que cada um deve aceitar o risco de ver as suas propostas serem recusadas por outros no confronto de ideias ou projectos.»
Vamos recordar...
– Popper defende a sociedade aberta, uma sociedade em que se estimulam instituições democráticas e a liberdade dos indivíduos e dos grupos. tendo em vista a solução dos problemas sociais.
Bibliografia
GEQUE, Eduardo; BIRIATE, Manuel. Filosofia 12ª Classe – Pré-universitário. 1ª Edição. Longman Moçamique, Maputo, 2010.

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